sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Lira dos Vinte Anos

Isso vai ser chato:

Às vezes me impressiona a capacidade que as pessoas têm de pensar no automático e o quanto elas parecem gostar disso. Ninguém parece gostar hoje de ser surpreendido ou chocado, a menos que estejam devidamente preparados, o que mata um pouco do propósito do choque. Essa é uma das principais razões do famoso (e aqui vai mais um termo clichê que eu espero que me renda boas buscas no Google) declínio da civilização ocidental. Parece que todo mundo tem noções preconceituosas, e eu não me refiro à discriminação de negros, brancos ou integrantes do Blue Man Group. Falo da falta total de lógica, de responsabilidade social e de inteligência.

Um amigo meu, certa feita, entrou em duas faculdades e optou por cursar uma em detrimento da outra. Em vez de cancelar a própria matrícula, no entanto, ele nem se preocupou – o sistema tratou de excluí-lo. Seis meses depois de ele estar ocupando uma vaga sem dar as caras pelo campus. Veja só: ele tirou, para sempre, o futuro de um pequeno economistinha. Mesmo que esse economistinha consiga entrar no ano que vem, o próximo economistinha vai perder a vaga, e assim por diante. Foi um ato vil e irresponsável que, levando-se em conta o quão importante é para um vestibulando (ou pelo menos para os que têm chances de passar pela seleção de uma universidade pública como a que o meu estimado amigo sabotou) o ingresso em uma faculdade nesse nosso sistema pseudointelectocêntrico (bonito, né?), tem grandes chances de ter arruinado a vida inteira de um imbecil. Chamo de imbecil por ser alguém que dá valor excessivo a esse tipo de coisa – e vamos admitir que todo moleque ou moleca de dezoito a vinte anos é imbecil.

Vamos lá: estudo é bom. As crianças devem estar na escola e cada um de nós tem que batalhar para ter um grau de instrução cada vez maior, certo? Esse é o (mais uma palavra-chave chavão) paradigma. Só que é um modo babaca de pensar. O mercado está sobrecarregado de economistas, por exemplo, então socialmente o que meu amigo fez foi tão somente prevenir a criação de uma peça redundante e sem função do maquinário. Para uma imagem mais nojenta, ele retardou insignificantemente o crescimento de uma gigantesca espinha, uma bola de pus nojenta que cedo ou tarde vai estourar. Para uma imagem ainda mais nojenta, pense no quadro original, só que com advogados em vez de economistas. Ha ha.

Esse simples outro modo de pensar nas coisas é resistido a extremos por toda sorte de indivíduos. Mesmo os mais intelectualizados sociólogos teóricos acadêmicos que cheguem a admitir essa filosofia são, via de regra, incapazes ou indispostos a aplicá-la em suas vidas “práticas”, por assim dizer. Existe uma grande diferenciação entre o que se admite como pensamento e as idéias nas quais se baseiam as ações. O que é uma forma menos ofensiva de dizer que esta merda de lugar anda coalhada de hipócritas.

Um exemplo bacana é a galera que lê romances espíritas e fala em cristo, em deus e no caralho. Não é exatamente uma regra, mas minha experiência pessoal é de que quanto mais pentelho se é com essas coisas, mais se é rabugento, irascível ou ladino. Pra não dizer chato, lógico. Não é nenhum ataque específico a qualquer religião, é só uma demonstração de palhaçada. Se você acredita que o mais importante é justamente o seu comportamento aqui para ser avaliado no pós-vida ou que o que vale aqui é compaixão e piedade, por que diabos você é uma pessoa horrível? (Você é.) É impossível você considerar algo como sendo a coisa mais importante na existência e não se devotar a ela completamente. E é impossível nos devotarmos completamente a princípios tão simples quanto boa vontade, não-agressão, compreensão e fracassarmos miseravelmente. O que explica nosso ar vil diante dessas crenças é muito simples: não são crenças verdadeiras. São a máscara mais socialmente aceitãvel que a gente adota no automático. É um certo mecanismo de sobrevivência do tipo estriado cardíaco e é muito eficiente.

Outro dia eu estava a racionalizar minha tendência a continuar desempregado e passei por um pensamento muito interessante: socialmente, é melhor para mim, bem como para centenas de outras pessoas, para todos os meus amigos, que contiemos desempregados. Raríssimos são os meus amigos que não poderiam ser sustentados pelos pais se fossem vagabundos de marca maior. O que eles estão fazendo é justamente tirar a vaga empregatícia de alguém que realmente precisa dela para sobreviver. O que todo cidadão jovem de classe média ou alta faz é brincar de casinha com recursos sociais que estariam muito mais bem alocados na mão de outra pessoa. Pior ainda para quem tem dois ou três empregos em começo de carreira – é um Robin Hood ensandecido, às avessas.

É um raciocínio que valoriza o ócio e defende a inatividade, sim, e vai contra a velha ladainha de que trabalho dignifica o homem. E eu garanto que eu perdi toda a credulidade que você poderia estar dedicando a mim com o parágrafo anterior. Especialmente se você trabalha, porque trabalhar geralmente é ruim, chato, feito unicamente para se ganhar dinheiro e com as justificativas de que é necessário, bom para o caráter, de que é o curso da vida. Mas não é nada disso. Pelo contrário, trabalho é ruim para o caráter, geralmente, porque é uma fonte de estresse e te deixa muito menos disposto a ser tolerante e a resolver seus problemas com dignidade, calma, parcimônia e várias outras coisas que você deve considerar boas. É também desnecessário para grande parte das pessoas, em vários pontos da vida, mas nem por isso elas largam o emprego ou passam a trabalhar menos. Então são todos usurpadores gananciosos.

Não que haja outra forma de sobreviver seguramente hoje em dia, veja bem. Por mais falho que seja o sistema, querer sair dele de sopetão e virar um hippie doidão, um amish maluco ou alguma variante assim não é tão viável. Em mais de noventa por cento dos casos em vez de hippie doidão você vai ser é mendigo, mesmo, e a vida de um mendigo geralmente é tida como não muito legal. Quer dizer... exceto por alguns deles. Tem um por aqui que às vezes está muito feliz. Especialmente quando está discursando sobre geografia, sociologia ou qualquer coisa desse naipe. De qualquer forma, como existe essa tomada de empregos por gente que não precisa deles, gente que acumula riqueza desnecessariamente, fica difícil você jogar for a um emprego quando não precisa dele. Grandes são suas chances de não conseguir outro quando precisar e acabar dando palestras sobre geografia em praça pública.

Para ajudar restaurar a ordem das coisas, se você tem grana, pode fazer duas coisas bastante simples: queimar toda a sua reserva financeira, restituindo o dinheiro que você acumulou à população em geral. Isso dá maiores chances à favorável distribuição de renda. Se quiser ser ainda mais seletivo, distribua você mesmo sua renda selecionando criteriosamente o que vai comprar. Calcule o gasto de modo a encerrar sua vida zerado, falido. A próxima pergunta é “e meus filhos, deixo para se foderem?”. Claro que não. Essa é a parte mais legal: você não vai ter filhos. Que tal? Em primeiro lugar, a gente já tem seis bilhões de pessoas. Um quinto sendo de chineses. Você tem dois motivos para não ter filhos, então. Primeiro porque ele tem uma chance em cinco de ser chinês, o que tem dezesseis chances em vinte e cinco de acabar com o seu casamento. Outra é porque a cada nascimento as coisas pioram. É mais um infeliz para alimentar, trabalhar e ser miserável. Veja o seguinte exemplo: a China é loucura! Um péssimo IDH. Já no canadá, lugar muito mal povoado, a vida é bastante boa. Não que só a quantidade de pessoas seja um diferencial nesses dois casos, lógico. Existe também a questão de PIB, entre outras coisas. Etão pegue os EUA como exemplo e compare ao Canadá. Uma porcaria, embora sejam podres de ricos em termos de superávit. De novo: não é tão simples, mas ambém não é coincidência de que os países onde a vida é considerada melhor, mais estável, mais organizada e mais civilizada tenham menos pessoas por metro quadrado que nos restantes.

Lógico que geralmente se tem fixa a idéia de ter um filho. Já está impressa no cérebro a rota da vida e ela passa pela procriação. Porque filhos são legais. Porque é uma experiência emocionante. Porque são o futuro. Porque são a continuidade do seu trabalho. Insira aqui sua ladainha favorita. No fundo, no fundo, você tem duas razões para ter filhos: em primeiro lugar, porque é carente. Precisa de alguém que seja mais carente para se sentir útil e poderoso, e filhos cumprem muito bem esse papel. Pelo menos enquanto estão vomitando em você; depois que chegam à adolescência e começam a vomitar pelas ruas e bares, aí só vão te dar dor de cabeça. De qualquer forma, lide você com a sua carência. Que merda de pai/mãe você vai acabar sendo se é incapaz de viver sem precisar do apoio psicológico de uma bolinha que caga e vomita em intervalos regulares? Em segundo lugar, você quer um filho para ter a quem passar suas posses e aspirações. Você vai morrer e apodrecer sete palmos debaixo da terra, e passar seu código genético e seus bens adiante não vai mudar isso. Ou pelo menos eu espero que não. Os dados estatísticos oficiais, pelo menos, dizem que o único malucão que voltou da morte não tinha deixado nenhum descendente, Dan Brown diga o que disser. Então tudo que você tiver acumulado vai ser inútil para você, sim. Criar um fim para o seu acúmulo irracional de tranqueiras é patético e triste, seu pulha.

Ah, vale espernear, dizer que eu sou um vagabundo louco, imoral, palhaço, o que for. Só não vale, como de praxe, pegar tonto e apelar na magia. Mas eu espero que você não possa negar logicamente a veracidade do que eu escrevi, caso contrário eu vou ter perdido meu preciosíssimo tempo de não-labutante. Ah, em uma última defesa, que aliás eu já fiz alhures, quem acha que a retirada de um punhado de pessoas faria estrago no sistema produtivo está redondamente enganado. Os ociosos têm muito mais valor do que se imagina em termos de produtividade. Eu mesmo podia estar roubando, podia estar matando, podia estar trabalhando, mas em vez disso estou aqui, não ganhando um tostão sequer pra despejar minha verbosidade preciosa. Ou pelo menos acho que estou. Posso estar no canto de um manicômio batendo minha cabeça contra a parede e imaginando estar aqui digitando desenfreadamente ao som de Bananarama. Se estou ou não ou se isso é recomendável para mim ou não e, sendo, se pelo conteúdo do texto ou pela voluntária exposição a conteúdo bananarâmico, são outros quinhentos.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Bodega e Tempero Ofegoso

Está acontecendo na cidade o Restaurant Week. Pra quem não sabe inglês, uma tradução livre seria "cozinha pretensiosa a preços acessíveis". Basicamente é uma promoção dos lugares pseudochiques, que vão vender pratos a vinte e cinco reais em vez dos costumeiros preços abusivos até o fim do mês. Chamo de "pseudochiques" porque é aquele lugar que é majoritariamente freqüentado pelos publicitários, designers e demais "artistas" e "profissionais liberais" - o lugar que não é nada de especial, mas como é caro, ganha status de "indie", "cult" ou "hip".

Pau no cu à parte, a promoção é até bacana, só tem duas sacadas: em primeiro lugar, espere pedir um copo de suco e pagar aqueles dez reaizinhos de costume. É impressionante como o truque desses lugares chiques e o dos botecões ralés é o mesmo. Manja aquelas paradas de caminhoneiros que dizem "almoce por dois real" e cobram cincão na Coca-Cola? Se não manjam, seus prebói de merda, experimentem um dia. Até porque os pratos servidos são os mesmos que nesses troços chiques.

Aí vem a segunda sacada: eu paguei vinte e cinco paus por um picadinho com batata. Verdade seja dita, era um excelente picadinho com batata, até melhor que o da padoca que fica aqui embaixo e cobra cinco e cinqüenta. Por outro lado aqui no boteco eu não passo mal, e nesse troço chique eu acabei por jorrar meu almoço pra fora do meu sistema digestório. Não vou dizer por que lado porque prefiro deixar à imaginação de vocês.

Eu fiquei tentando analisar a causa do meu... mal-estar, digamos, mas ainda não sei se foi a ausência das proteínas de barata às quais o meu corpo já se acostumou (é, estômago de pobre é fogo) ou se foi o fato de comer enquanto minhas estranhas se contorciam duplamente - fisicamente, tentando pronunciar "boeuf bourguignon", e moralmente, por ter que chamar um picadinho com (meia!!!) batata por esse nome esdrúxulo.

Ah, rola uma caixinha pro Ação Criança, também, para a qual eles pedem um real. Se você quiser, pode dar, mas antes que resolva se sentir bem por isso, saiba que, se você fosse uma pessoa legal mesmo, ia comer no Bom Prato por um real e dar os vinte e cinco pras criancinhas famintas/friorentas/que precisam de um upgrade no PC, seu hipócrita de merda.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Bo or Cock?

Só um adendo à última postagem: