terça-feira, 5 de novembro de 2013

Porchat



Esta é uma microentrevista com o Fábio Porchat, de oito minutos, e vai ser o mote do texto. Por favor, tenha em mente que eu sei que oito minutos de Fábio Porchat com Rafinha Bastos é coisa de oito minutos a mais do que o permitido pelas convenções de Genebra, e que eu não estaria expondo você a esse vídeo se não fosse necessário. Mais especificamente, eu gostaria de falar do trecho entre os 2:45 até os 4:00, então não se exponha desnecessariamente. Este aviso vem antes do vídeo (se eu acertar o HTML) para que minha consciência fique limpa e eu possa dormir à noite.

Certo. Fábio Porchat escrevia para o Zorra Total. Ok. E o sr. Bastos pergunta a ele como foi esse negócio do Zorra Total, porque ele não conhecia ninguém “jovem” que tivesse passado por essa experiência. Para entender a carga semântica desse “jovem”, você pode acessar este vídeo, do próprio canal do Rafinha, que critica o referido programa enquanto comete múltiplos fracassos pontuais nas tentativas de ser engraçado. Se esse quadro é melhor que o fracasso conceptual do Zorra Total fica a critério de alguém mais capacitado que eu para julgar. Alguém que seja o análogo do mundo do humor a um gourmet coprofágico.

Voltando ao mote principal, após a pergunta, a resposta que se segue é extraordinariamente cretina. “Foi uma puta experiência, porque eu aprendi a escrever em grupo”, diz Porchat, provocando um incrédulo “hum-hum” do Rafinha enquanto toma um pouco de suco (presumivelmente para não rir do que é a única parte genuinamente engraçada da entrevista). “Foi uma puta experiência”. Assim, sem nenhum juízo de valor. Ser pego se masturbando pelos colegas de trabalho é uma puta experiência. Não quer dizer que seja algo de que uma pessoa se lembre com orgulho. Não deve entrar no currículo. E não deve ter sido agradável. É só isso, “uma puta experiência”. Os dois exemplos, aliás, tanto o de Porchat quanto o do cara que foi pego se masturbando em serviço, poderiam ser melhor descritos como “uma experiência puta”. Um por estar empenhado em extrair um orgasmo durante o horário de serviço e o outro por vender seu cérebro para quem pagasse, indiferente ao valor moral da função que tivesse que exercer. Muito embora – sejamos justos com Porchat – se ele achou quem tenha pago um real, já fez um excelente negócio.

Isso é até compreensível. Quem nunca teve que se prostituir em momentos difíceis, certo? O curioso é que Fábio Porchat hoje é bem aceito no mundo mercado da comédia. Ele não precisa mais dar crédito a um programa porcaria. Poderia ter dito “porra, eu fiz parte daquela merda, né?”. Seria minimamente honesto. Mas Porchat insiste em não cuspir no prato que comeu, provavelmente na esperança de que alguém coloque nele mais alguns restos. Ou, para voltar ao cenário da prostituição, Porchat se revela uma prostituta de cais, chupando pintos sebentos de marinheiros, alguns recém retirados de um ânus (ânus este à sua escolha – como a metáfora está ficando um bocado gráfica em demasia, sinta-se livre para imaginar que o ânus é da própria prostituta ou de outra prostituta ou de um marinheiro, o que for menos repulsivo para os seus padrões), na esperança de que um deles a recompense com uma pedra de crack. Quase aplaudo Porchat, porque eu mesmo não conseguiria arrumar dizer algo de positivo ou mesmo neutro sobre Zorra Total mesmo se minha vida dependesse disso. Acho corajoso sequer tentar. Como a puta, é difícil ficar sem crack e é difícil encarar a jeba suja – opta-se ciente desse cenário psicologicamente torturante. Mas o crack do comediante deveria ser o riso, não a chance de aparecer na TV ou fazer um filme. O ético, para um comediante, teria sido optar pelo escárnio público de seu ex-empregador. Ao deixar passar essa oportunidade por motivos mercadológicos, Porchat revela que pode até gostar de fazer comédia, mas menos que de ser um comediante profissional. E que não quer acabar relegado a um blog, fazendo análise interpretativa do subtexto de microentrevistas de subcelebridades.