-Sabe o que mais? Outro dia eu estava com os meus amigos e ela me puxou de lado e começou a gritar.
-Hum... estranho.
-Mas agora é sempre assim, viu, doutor? No começo, há uns anos atrás, era tudo tão bom...
-É, deteriora, né? É normal. Olha, eu acho melhor você vir aqui com ela pra eu dar uma olhada.
-Vou tentar, doutor, mas eu não sei se ela vai querer vir.
-Hum... é, aí é complicado. Não tem nada que eu possa fazer sem ela aqui contigo, eu acho.
-Pô, nem umas dicas, doutor? Eu estou desesperado. Acho que está acabando tudo.
-Calma. Não tem nada que não tenha conserto. Vamos ver... ela anda preguiçosa, às vezes te responde mal e às vezes nem te responde, fica especialmente ruim pela manhã... que mais?
-Me puxa de lado e grita nas horas mais inconvenientes.
-Olha... isso é muito estranho. Tem algum momento em que ela esteja dócil?
-Muito raramente, doutor. Talvez mais com os outros que comigo.
-Hum... tem outros envolvidos, é?
-Como assim?
-Tem outras pessoas que a... usam?
-Doutor, isso é pergunta que se faça?
Eu fico ofendido... ah, olha... melhor ser sincero. Acho que sim.
-Acha? Não sabe?
-Tem razão. Eu sei que sim.
-Ei, não precisa chorar. Quer um lenço? Toma.
-Obrigado.
-Bom, aí complica mais. Porque a gente não sabe como ela interage com os outros nem como os outros a tratam, sabe?
-Outro, doutor. Calma lá. É só um. E o que é que eu posso fazer? Quer que eu traga ele aqui também?
-Seria bom. Mas você pode só perguntar como ela se comporta com ele.
-Hein?
-Seria bom eu saber. Pra te dizer o que fazer.
-E o que exatamente você quer que eu pergunte, porra?
-O normal. Se ela é xucra com ele também, o que ele dá pra ela beber etc.
-Quer que eu pergunte se eles vão pra cama e como ela se comporta lá, também?
-Claro que não. Isso seria uma pergunta bastante descabida.
-É... olha... desculpa se eu estou me excedendo.
-É normal. Essas coisas são assim. Quer que eu pegue um lenço pra você com menos graxa? Você está começando a parecer um índio.
-Não, deixa. Olha... eu só preciso saber o que fazer. Eu estou perdido.
-Tá. Deixa eu ver... que tipo de ferramentas você tem em casa?
-Ferramentas?
-É. Martelo? Serrinha de aço? Chave de roda?
-Meu deus! Você é maluco. Que tipo de conselheiro matrimonial de merda é você?
-Ah. Isso explica uma das minhas dúvidas. Eu não sou conselheiro matrimonial. Sou mecânico de motos.
-Mecânico? Ah... por isso o pano com graxa, as peças de motores penduradas e as motos estacionadas e desmontadas?
-É. Liga não, você não é o primeiro a fazer esse tipo de confusão.
-Poxa, foi mal. Mas também... por que um mecânico teria uma sala com um divã?
-Divã? Ah, tá. Isso responde minha outra dúvida. Isso não é um divã, é meu filho Jorge.
-Oi.
-Seu filho? Ah. É mesmo. Me desculpe, garoto. E por que diabos você está nu?
-Divãs não usam roupas.
-Jorge, fica quieto e vai se vestir até o moço ir embora.
-Bom... então, senhor, me perdoe por toda a confusão.
-Ei, tudo bem. Agora que estamos esclarecidos podemos continuar nossa conversa sem estranhamentos.
-Verdade. Então... eu posso matar minha mulher com um martelo, um cano de chuveiro, um castiçal ou uma corda. Qual seria melhor?
-Num... não sei. Deixa eu ver... como é que anda a saída de gases dela?