O conhecimento humano. Ô coisinha legal de imaginar. Quando e se alguém ler o que quer que venha a seguir, seria legal um certo conhecimento prévio sobre as condições que deram origem a este chautauqua* específico. Uma da manhã, eu estou vestindo nada além de uma cueca e uma jaqueta de couro (ei, ei, ei - só a jaqueta é de couro, não sou nenhum dançarino exótico) e, tirando algum resíduo do Listerine, não tem uma gota de álcool no meu organismo.
Bom, seguinte: se a gente considerar o mecanicismo dominante na explicação dos fenômenos físico-químicos em grande parte do século XX, dá pra perceber que, embora a física quântica esteja jogando tudo por água abaixo, por muito tempo os modelos concebidos foram muito úteis na invenção de uma caralhada de coisas. E até na compreensão, mesmo, se a gente considerar que, desde que nós pensemos ter compreeendido alguma coisa, por mais errados que estejamos ainda estaremos num nível de compreensão superior àquele no qual nos encontrávamos antes de pensarmos ter compreendido. Compreende? Pra ilustrar, uma metáfora: se você pensa que entendeu que maçãs caem porque duendes anões laçadores invisíveis adoradores de maçãs puxam as maçãs para baixo no momento em que as largamos, você está num nível de compreensão superior ao do cara que só percebeu que as maçãs caíam. E muito mais próximo de uma overdose, já que duendes anões laçadores invisíveis adoradores de maçãs não vivem em clima tropical.
Relendo esse trecho acima eu entendo algo do porquê de dizerem que minhas metáforas são invariavelmente ruins. Acho que ajudaria se eu parasse com a minha insistência em sempre usar maçãs. Bom, vamos voltar à pauta.
Vamos dizer que seja possível o cérebro ser explicado em modelos mecânicos. Não é pra dizer que seja (embora esteja a dizer que é). É mais pela evolução do nível de compreensão. Mais um adendo aqui, vá: subir na hipotética escala do nível de compreensão não quer dizer nada em termos de utilidade. O cara que criou a hipótese dos duendes anões laçadores invisíveis adoradores de maçãs (doravante conhecido como HIPÓFISE) provavelmente vai ser tão bosta em termos de colheita de maçãs que seu amigo que só percebia que as maçãs caíam (doravante a ser chamado de HIPÓLITA). Aliás, deve até ser menos eficiente, porque enquanto HIPÓLITA gasta seu tempo colhendo as maçãs com um sorriso no rosto, HIPÓFISE vai ficar matutando sobre os duendes, como aproveitá-los, como se comunicar com eles etc. Então não é que seja exatamente útil esse negócio de compreensão. Talvez não passe de mera curiosidade. Mas vá saber - talvez um dia HIPÓFISE consiga usar os anões para rebocar tratores e descubra neles uma fonte de energia limpa e inesgotável (é possível, bastaria uma maçã chinesa amarrada a um trator holandês, por exemplo, em se tratando desse exemplo específico).
Mas vamos voltar ao cérebro. Minha questão é quantos níveis de compreensão você pode ter para o mesmo pensamento. Quantas epifanias relacionadas à mesma linha de raciocínio, vindo de formas quase indistingüíveis, se pode ter sobre qualquer coisa ou uma combinação qualquer de quaisquer coisas em qualquer quantidade. Qualquer. Eu faria, para exemplificar, um modelo de caixa retangular extensa lateralmente e estreita verticalmente. Ou vice-versa, não importa. Pense em uma régua como base e em paredes laterais saindo dela. Legal. E ela pode até ser usada como medidor.
Minha geringonça funciona assim: você tenta encher essa caixa. Eu ia tentar com maçãs, mas maçãs são muito maiores que réguas, então penso em dois bons potenciais conteúdos: areia e água.
Vamos lá, primeiro com areia. Imaginem a caixa esquisita, nosso compreensômetro (não esqueçam de imaginar uma maçã do lado). Bom, quem tem um certo ponto de vista sobre determinado assunto por toda a vida só jogou areia num canto do compreensômetro. Digamos que ele tenha o ponto de vista 5cm. A quantidade de areia que ele jogou deve ser muito pequena, porque areia se espalha quando é jogada. Isso quer dizer que, se ele aprofundar o conhecimento que possui sobre o 5cm, logo logo vai obrigatoriamente chegar a compreender um bocado do 4cm e também do 6cm. Se não for assim, não vai compreender mais o 5cm. E para transcender toda a questão, transbordando, ele será obrigado a passar por todos os pontos de vista da nossa escala.
A vantagem de usar areia é que ela representa melhor o quadro geral de como a gente primeiro compreende as coisas próximas e gradualmente. Por outro lado, a água retrataria muito mais fielmente a maluquice que se dá quando seu ponto de vista oscila violentamente de um canto pra outro antes de virar calmaria. Vamos ver mais a fundo:
Em primeiro lugar, vamos esquecer a água e vamos usar suco de maçã. E vamos cortar uma fatia daquela maçã que estava ali ao lado da engenhoca e usá-la para apoiar o compreensômetro como se fosse uma gangorra. Isso vai melhorar ainda mais a questão de como a compreensão pode ir de um pólo a outro e depois voltar antes de tudo se estabilizar. Novamente quem tem um ponto de vista por toda a vida teria só uma pequena gota. Agora a gente joga um monte de suco de maçã lá dentro e vai vendo como ele vai de um lado pro outro na gangorra feito maluco antes de transbordar. Ou acalmar no que poderia ser um fracasso, se considerarmos transbordar como um objetivo. Para piorar as coisas, vamos imaginar que a mesa está sendo agitada violentamente por uma chuva de maçãs. Pronto, o suco vai se um lado pro outro, pendendo cada hora mais para um lado, mas dado um certo ponto, englobando, mesmo que mais num momento e menos no outro, toda a extensão do troço.
A chuva de maçãs também funciona muito bem no modelo de areia, forçando a areia a se espalhar. Talvez a vida seja uma grande chuva de maçãs, forçando a gente a espalhar nossa compreensão e levá-la a mais cantos. Ou talvez sirva só para machucar nossas cabeças, mesmo, e levar a uma ou outra lei gravitacional. Sei lá. Pelo menos a minha cabeça já começou a doer.
*É. Eu pago um pau.**
**Não entendam literalmente e venham oferecendo, já recebo regularmente e-mails desse naipe em forma de spam.