Eu sou um desempregado. Ou, em outra palavra, “vagabundo”. De um modo mais otimista e ainda na mesma linha, “filósofo”. Na realidade filósofo é o vagabundo que fica dando pitaco nas coisas, então essa definição se encaixa um pouco melhor. Nomenclaturas à parte, quer dizer que, já que eu não trabalho, tenho tempo para ficar matutando sobre trabalho, o que é um tanto quanto trabalhoso e, diferindo de trabalho de verdade, não me paga um tostão. E já que eu pensei sobre trabalho e percebi isso, é óbvio que eu vou começar a discursar contra a remuneração pelo trabalho. Alternativamente eu poderia discursar sobre a necessidade de me remunerarem pelo meu trabalho, mas isso é o que a maioria das pessoas faz por aí entregando currículos e a) eu não sou bom nisso, b) dá uma certa imparcialidade muito evidente e desconfortável ao discurso e c) não tem funcionado.
Não que eu vá dizer que todo mundo deva trabalhar de graça. Longe de mim a intenção de regredir o povo à época pré-monetária, embora eu ache muito bacana. Se não dá pra regredir às raízes indígenas, então vamos avançar com a cibercultura, até porque essa palavra está na moda e pode me render algumas visitas. Mas pra não colocar o carro à frente dos bois – opa: software à frente do hardware -, vou tentar seguir uma certa lógica coerente, o que costuma não dar muito certo.
Nas minhas mais elementares aulas de Ciências Sociais me disseram que o valor das coisas estava ligado à oferta e à demanda. Fez sentido, na época. Depois um gente boa da época de Geografia me disse que tinha mais alguma coisa no meio – o custo de produção. Fez sentido, também. Aí um garotão, já em Economia, me falou uma porrada de coisas que eu resolvi ignorar, até porque já estava ficando difícil, tipo Créu velocidade 3. Então na minha cabeça ficou fixo que faz sentido pagar muito por coisas que parecem meio babacas – elas devem ter custos altos de produção. Uma privada de ouro, por exemplo.
E aí eu pensei com meus botões que algumas coisas têm custos muito baixos de produção de são vendidos a preços muito altos. Ok, a oferta então deve ser pequena, então a mão invisível do mercado vai aumentar a oferta, fazendo mais gente produzir seja lá o que for (não funciona tão bem com privadas de ouro a menos que role alguma alquimia no meio) e tudo vai ficar legal e reguladinho, igual ao intestino da menina que faz propaganda de iogurte. Curioso que tanto no caso como da menina quanto do mercado, a gente nunca vê o resultado final da teoria apresentada. A menina nunca liberta o Mandela na nossa frente e, em contrapartida, estamos cansados de ver que o mercado está uma bosta..
(Quando eu fui à Fenasoft 99? 2000?, além de descobrir ser nerd, eu comprei um CD com um jogo e vi discriminado: CD jogo Half-Life 1,29; Direito de uso jogo Half-Life – 31,71. Primeiro eu fiquei confuso, e depois quando fui ver que diabos era aquilo, me senti como quando percebi que cada carro na rua era dirigido por uma pessoa que fazia com ele o que quisesse. Como se cada parte do meu corpo gritasse “São todos loucos! Nunca vai dar certo!” Anos depois, lembrando desses momentos, eu pensei ser burro. Ainda mais tarde, vendo o número de acidentes de trânsito e o crescimento do software livre, eu percebi que era um molequinho muito esperto.)
Um carro envolve um monte de materiais que envolve trocentas pessoas para coleta, mais trocentas para tratamento, mais trocentas para montagem e mais trocentas para transporte. Ou envolvia. Agora envolve máqunas. Que por sua vez, ou envolvem máquinas (caso em que você deve recomeçar a ler esta frase – cuidado para não cair em um looping infinito) ou envolvem uma penca de gente que as produz. Então tem uma caralhada de gente que você precisa sustentar pelo menos enquanto trabalham no seu carro. Uma idéia, em contrapartida, não tem um custo alto. Muitas vezes você precisa sustentar uma pessoa por algumas horas apenas e voila – uma música. E essa música pode virar um megahit estrondoso e te fazer comprar um CD por quarenta pilas. CD que custa algo menos que dois reais, sobrando bastante lucro para o artista e para a gravadora dividirem não tão igualmente assim.
Só nesse exemplo já entra uma caralhada de problemas. A gravadora repassa menos dinheiro para o músico, ficando com o grosso por um trabalho bem mixuruca – gravar CDs -, só porque é a dona dos meios de produção. O músico ainda recebe uma baita grana por ter feito uma música que levou no máximo uns dois dias – bem mais que o agricultor que planta feijão vinte horas por dia (favor notar que aparentemente feijão não necessita de tanto cuidado assim, mas se você não ficou feliz com meu exemplo, pense você em outro, palhaço) ganha por ano. E se o artista e a gravadora estão enchendo o rabo de dinheiro por quase nenhum trabalho, esse dinheiro está saindo de algum outro lugar. Do plantador de feijão (ou exemplo à sua escolha), de um pobre desempregado como eu ou de um pai de cinco filhos órfãos que batalha para dar o que pode a seus pequenos ceguinhos que freqüentam escola pública e têm AIDS. Malditos músico e gravadora, torturadores de ceguinhos aidéticos. Para a fogueira com eles!
Ok, discutivelmente música não é exatamente algo vital. Mas o coquetel para AIDS, em muitos casos, é, e não pode ser baixado pelo eMule. Custo de produção baixo, paga-se muito por uma idéia que um caboclo teve. E a despeito de todas as leis de antitruste o o cuidado que se toma com monopólios, essa idéia foi patenteada. E a patente é nada mais que uma garantia de monopólio. O Serra andou quebrando essa palhaçada por aqui, o que foi legal. Eu o elogiaria por isso, mas pela aparência do meninão, deduzo ter sido um interesse pessoal direto.
Então é isso que eu acho que deve acontecer, pra começo de conversa. Copyright deve acabar, ir à terra. Vão me chamar de comuna, mas chupinhando um negócio que eu li recentemente (não vou dar crédito a ninguém porque seria meio hipócrita, dado o texto), comunismo era a busca por poder centralizado e controle, que é exatamente o que a lei de patente garante ao inventor. Eu sou mais anarquista; nada de poder e controle. Joga a idéia no ventilador e usa quem quiser. É mais produtivo pra todo mundo.
O avião, por exemplo, é largamente atribuído a Santos Dumont, reza a lenda, porque os irmãos Wright, tendo tido sucesso antes, fizeram tudo em segredo e não voaram em público. Bom, fodam-se eles. Atrasaram o progresso da aviação em sabe-se lá quanto tempo porque quiseram ficar guardando segredinho pra vender. Pau no rabo desses escrotos! Pau no rabo deles! Pau no rabo! No Rabo!
Aí vem um babaca e diz “porra, mas se ninguém ganhar grana, ninguém vai inventar porra nenhuma”. Eu tenho pena dessas pessoas por dois motivos. Espiritualmente porque são gente atrelada a bens materiais, a dinheiro apenas. Muito triste. E de modo mais mundano e pé-no-chão porque são uns burros. As pessoas inventam coisas desde o tempo das cavernas sem royalties e direitos autorais. Ou acham que primeiro fizeram o sistema legal e depois começaram a trabalhar na roda e no fogo? E, se foi feito assim, o cara que inventou o sistema legal recebeu grana dos outros inventores para que pudessem utilizar suas leis? Tanto faz. O negócio é que as pessoas inventam as coisas e vão continuar inventando, até por prazer.
Até aí tudo bem, papo padrão de comuna. Especialmente de comuna que trabalha num banco ou num McDonald's da vida. Minha opinião pessoal (desculpe se alguém já a tiver expressado – se estiver devidamente registrada em seu nome, avise-me e eu a removerei do site) é a de que ninguém deveria misturar dinheiro e idéias. Dá só problema. Dinheiro deve ser misturado com bois, madeira, terra. Com refrigerante de cola, não com Coca-Cola.
Tem gente pra cacete estressada com emprego hoje porque não têm o que chamam de segurança financeira ou estabilidade empregatícia. Isso ocorre por vários motivos. Um deles é porque a empresa para que trabalham vende idéias, soluções, planos, como você quiser chamar. Vamos dar o exemplo de publicidade, que é o ápice da atribuição de dinheiro a idéias (eu mencionei que sou desempregado especialmente nessa área?). Quem contrata uma agência quer uma idéia, basicamente. E já é um babaca, porque quem contrata outra pessoa para falar sobre o seu próprio produto ou não sabe o que está produzindo, sendo irresponsável, salafrário e hipócrita ou não tem o conhecimento básico sobre as pessoas, sendo burro.
Pois bem. Publicitários, grandes feitores de porra nenhuma (embora tentem convencer do contrário), são estressadíssimos. Em parte porque são todos frescos, umas bichonas. Em parte porque cobram caro para vender idéias que, se você tem visto TV e lido jornais ultimamente, são umas merdas. Qualquer zé faz propagandas melhores que as da Colgate. Eu me enganei redondamente ao utilizar publicitários como exemplo. Vou parar aqui e depois explicar o porquê.
Segunda tentativa: arquitetos. Arquitetos têm uma parcela de trabalho verdadeiro no projeto de uma casa, mas o grosso do que é pago a eles pelo trabalho que têm lhes é pago pelo conhecimento que possuem, não pelo tempinho que eles passam mxendo no CAD. Isso é o que eu acho bastante nocivo: gente ganhando grana por conhecimento restrito.
E aí eu volto aos publicitários: eles constituem um exemplo ruim porque não têm conhecimento nenhum a mais que os clientes, só fingem ter. Vai ver é por isso que são mais estressadinhos: sabem que estão vendendo algo que não possuem e que a qualquer hora a casa vai cair. Infelizmente eu não tive uma epifania do tipo “nunca vai dar certo!” porque esse conhecimento chegou a mim diluído em alguns anos de faculdade, não chegou chegando, de sopetão, com os dois pés no peito.
Ok, voltando. Quem vende idéias, soluções, como um arquiteto (chamemos de “soluções em design de prédios”, pra ficar bonito), vende a utilização do conhecimento que ele tem. Caso ele repasse esse conehcimento, vai provavelmente perder um cliente. Se alguém ganha grana por deter informações, então parece meio óbvio que vai ter muita gente interessada nessa prática, o que é meio ruim de um ponto de vista progressista. Felizmente eu acredito que logo logo a Wikipedia vai ter, por exemplo, instruções para você montar seu próprio prédio.
Se arquitetos não convencem, pense em técnicos de informática, mecânicos, montadores de móveis (ou você acha que aquelas instruções cheias de “junte a fenda A à entrada F de modo que as seções J e S se encontrem no ponto O paralelo à dobradiça 8” são feitas para serem simples?). Eles existem e são até úteis, mas estão longe de serem necessários. Se uma empresa detalhasse o funcionamento do carro, por exemplo, con instruções para acesso às peças, você não precisaria levá-lo a um mecânico por qualquer coisinha. Ou à concessionária, que é no que eles apostam, acho.
O negócio é que muito do trabalho que as pessoas fazem (publicitários aí no topo da lista) é supérfluo. Se liberássemos essas pessoas para trabalharem em tarefas genuinamente úteis (hã... agricultura? Mutirões da Erundina?), duas coisas aconteceriam: crise enorme de desemprego e diminuição considerável da devastação da Terra (comecei comuna e acabei longe, ativista do Greenpeace – juro que depois rola uma brincadeira de “ligue os pontos” e sai a figura de um soldadinho). A crise do desemprego já foi muito bem resolvida por Russel – uma carga horária bem menor de trabalho, deixando mais tempo livre para as pessoas serem produtivas de graça.
Sintetizando, nossa economia deveria girar muito menos em torno de idéias. Gera problemas na difusão do conhecimento, para começar. Faz com que um seu humano tenha que se dedicar a uma especialidade por anos, prende ele a um cargo, função ou campo, impedindo-o de borboletar, porque se conhecimento é o que é remunerado, então ele terá que se aprofundar cada vez mais a fim de não ser só alguém tão sabedor quanto o cara ao lado. O mesmo princípio de partilhar cada vez menos faz com que você queira saber cada vez mais. Trabalho burro sem cooperatividade. Pode-se argumentar “mas empresas trabalham em conjunto”. O escambau. O ambiente empresarial é um ninho de cobras e todo mundo está bastante preocupado com o próprio rabo acima do rabo da empresa (lógico que a quebra da empresa volta e meia significa a quebra dos rabos dos funcionários, então até certo grau, o rabo das pessoas balança o rabo da corporação, saca, brother?).
Ok, não sintetizei. Dinheiro misturado com idéias tem outro problema grande: dá pau na bolsa. A bolsa é pura especulação, óbvio. Tanto faz quantos bens uma empresa tem, quanto ela vale de verdade. Quanto ela vai lucrar é que importa. Então se todo mundo acha que seu valor vai subir em X, seu valor sobe em uns 10X. É uma simplificação, mas que dana um monte de gente. Por causa desse tipo de especulação (olha! contra especulação! vermelho nojento!) as empresas têm que se preocupar com imagem, aparências e um monte de outras porcarias que as tornam menos produtivas. E mantêm acionistas que não fazem porra nenhuma de útil para o mundo, ficam jogando roleta com logotipos e ganham rios de dinheiro – que vão sair dos aidéticos cegos pais de famílias aidéticas, cegas, famintas e espancadas pela PM. Como o aidético cego conseguiu dar umas pra ter uma família não vem ao caso – os darwinistas que refutem.
Então eu proponho algo moderadamente radical – trabalho braçal para todos, cerca de três horas por dia. Esse remunerado. Trabalho intelectual – música, filosofia, pintura, programação de softwares, economia etc. - só gratuito. Dá também a vantagem de não ter jornalistas com rabo preso com o jornal, políticos corruptos que entram pelo salário e verbas de gabinete (não ganha porra nenhuma, faz tudo de graça e vai cortar eucaliptos depois) e coisas do tipo. Eu suponho que médicos tenham que ser divididos. Cirurgia é braçal? Enfermagem? Bom, sei lá. Quem ficar doente que acesse a Wikipedia e procure pelos sintomas.
De certa forma já está acontecendo isso, acho. Lógico que de modo muito mais lerdo e baitola. Jornal já é algo meio obsoleto, pelo menos para quem tem internet. Muito melhor ver uns vinte pontos de vista espalhados por blogs diversos que uma notícia que é ou ridiculamente parcial, como a Veja, ou sem sal, como o Jornal Nacional (“hoje o primeiro-ministro declarou que bombas não serão feitas de bebês no Brasil” – corta para cena do ministro: “...não serão feitas de bebês! Não no Brasil!” - “E na Europa...”). Sem contar que algo como o que eu estou escrevendo aqui jamais sairia numa revista. Não entremos no mérito de isso ser bom, ruim ou simplesmente lógico, mas nos concentremos no fato de eu estar escrevendo de graça. Outra coisa legal é o público: dificilmente alguém leria uma matéria/tese/bosta deste calibre numa revista se estivesse procurando por “porque isopor dert com gasolina”.
Bom... eu francamente espero que você tenha aprendido uma lição disso tudo: nunca leia textos grandinhos em um layout de blog tão estreito. E espero também que você não seja esperto o suficiente para tirar uma segunda lição válida: nunca mais leia esta merda de blog.
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2 comentários:
segunda-feira tem Outback, tiger!
Eu não posso aceitar a idéia de um cara que seja tão útil cortando eucaliptos quanto fazendo uma cirurgia de coluna. Se o idiota passou anos estudando pra vender idéias, ele é tão bom quanto o agricultor de arroz (seja lá qual tenha sido a semente que você usou, já ficou tão pra cima que não consigo me lembrar). Ele ainda pode ser melhor que o trabalhador braçal, porque ele consegue convencer o outro idiota de que ele deve continuar realizando um "trabalho de verdade" enquanto ele faz porra nenhuma.
Ou seja, as pessoas que são remuneradas por fazer nada (não tanto os completamente considerados vagabundos, como o cara que escreveu esse texto pentelho / eu posso entrar na categoria idiota faminto: estou jogando fora a hora do almoço para ler e responder algo neste espaço) e as pessoas que são remuneradas por fazer algo, são igualmente idiotas e relativamente boas dentro da proporção de persuasão/acomadamento espiritual no meio em que vivem.
Estou com problemas gastricos novamente, então não escreverei coisa alguma pelos próximos minutos (dentro da relatividade do tempo e dos referênciais díspares de cada ser humano, na redundância de nossa estupidez).
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