quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Ama-se Etiqueta

Etiqueta à mesa - um certo problema para mim. Na verdade, tirando uns raros dias de humor esquisito, eu considero etiqueta, na sua essência, um pé no saco. Mas à mesa fica tudo um pouco mais exacerbado, por algum motivo. Se você não segue algumas regrinhas malucas, as pessoas podem te olhar torto.

Um bom exemplo, a meu ver, é o guardanapo no colo. Não importa quantas vezes eu pense nisso, me parece algo bem imbecil. Se você precisa do guardanapo, é porque está babando comida, o que, se não é rude, pelo menos é um espetáculo meio nojento. E desperdiçando alimento, a menos que você queira pegar o que caiu e comer de novo, babando menos da segunda vez. O que por sua vez seria outro espetáculo nojento. Mas não tem problema, a etiqueta diz "babe à vontade, é para isso que colocamos um guardanapo no seu colo". Então tá bom. Eu babo.

Outra coisa curiosíssima é o fio da faca voltado para o prato. É uma das coisas que mais me dá aflição. Tendo a achar revoltante aquele calombo serrado no que seria uma reta tangente a um círculo. Fica feio. Mas o fio da faca tem que ficar pra dentro pra você não matar a pessoa que está ao seu lado. Pelo menos nos tempos antigos, eu imagino que assassinatos à mesa fossem comuns, então assim como um samurai deveria colocar a espada do lado direito, tornando o saque mais difícil, você deveria virar a faca para dentro, para não cortar a jugular do seu acompanhante com tanta facilidade. Ainda pode-se ter essa cautela hoje, mas se você está preocupado com isso, podia também se preocupar mais com as pessoas com quem come. E, se estiver pensando em segurança tanto assim, melhor usar um capacete contra as bandejas dos garçons.

Ah, não, você não pode. Porque sentar-se à mesa com alguma coisa na cabeça é indelicado. Isso já é um motivo religioso, o que logicamente deveria ser menos lógico, mas eu até penso ser mais. Particularmente, não costumo usar chapéus, bonés e coisas do tipo porque estragam o penteado e, durante as refeições, fazem uma sombra pentelha que conflita com meu gosto de comer em locais bem iluminados. Contudo, se o cara quiser tomar sopa pelo buraco de ventilação da máscara de Darth Vader dele, eu não tenho nada com isso nem vou achar ruim. Correção: não vou achar mais desagradável que o fato de eu estar tomando sopa com um cara usando máscara de Darth Vader. O que por sua vez não vai ser mais desagradável que o fato de não ser eu usando a máscara.

Tem o negócio de usar os garfos certos, também. E facas certas. E colheres certas. É tipo um caça-níqueis, conseguiu os três combinando, ganhou. Particularmente eu acho muito fácil distinguir os talheres e usá-los corretamente, difícil é aceitá-los. Você já tem a faca perfeitamente boa para todas as coisas, por que criar uma faca toda torta e sem fio nenhum? Para cortar algo mole, claro. E aí surge a faca de peixes. Que consegue um resultado levemente pior que a faca de carnes e dá problemas para canhotos. Por que diabos usamos essa faca, então? Por que ela foi criada? É um grande mistério. Acho que foi só pra sujar mais talheres. Puro lobby do Limpol e da Scotch-Brite. Eu pego o maior garfo sempre porque é nele que cabe mais comida e quanto mais comida estiver indo goela abaixo, melhor. Se alguém chamar minha atenção para o fato de eu estar espetando meu garfo em um alvo pouco propício, meu senso de justiça me manda levantar, gritar "AH, É?" e enfiar no olho do enxerido. Infelizmente as pessoas não dizem nada, só ficam pensando com os botões delas o quanto você é grosso, de modo que eu passei, preemptivamente, a espetar todo mundo. Não curto muito a idéia de talheres de sobremesa, também. Já tem um garfo sujo. Lamba-o bem e passe à torta, sem baitolagens.

Aliás, pensando bem, ter que usar talheres já é um porre. Eu uso, até porque não gosto de ficar sujando minha roupa, mas se o cara quiser enfiar a cabeça no prato de feijoada enquanto estraçalha um frango com os dedos inquietos, eu não ligo. Não se ele estiver usando o guardanapo no colo. Comer sem talheres, bem Medieval Times, mesmo, é algo que eu quero fazer se um dia for ao Terraço Itália.

Palitar os dentes também não pode. Chique é ter um baita fiapo de bacalhau nos dentes. Pra mostrar que comeu coisa cara.

Mas mais preocupante é o negócio de não se esticar pela mesa para pegar alguma coisa. Em vez de se debruçar, você tem que incomodar três ou quatro pessoas para te passarem uma bandeja pesada. Depois incomodar todo mundo de novo para passá-la de volta. E parar de comer porque alguém já quer que você passe a bacia de arroz. Muito mais fácil se esticar, se o seu braço alcança. Só não é muito legal se você estiver de gravata, salvo se for da mesma cor do caldo do feijão, que é onde ela vai parar.

Fora isso tem as palhaçadas de levantar para cumprimentar gente e um monte de outros aborrecimentos. Os defensores da etiqueta vão vir com "mas não é assim, é mostrar que você se importa - o gesto é que conta". Eu espero que não! Caso contrário o que significaria a cortesia de abrir a porta do carro para uma mulher? "Olha, sua estúpida, eu tenho que vir até aqui porque duvido que você consiga operar esse mecanismo chamado maçaneta"? Ah, se fosse seria mais nobre. É mais um "Hahaha! Vou papar você!"*. Isso era coisa verdadeiramente útil quando as mulheres precisavam de ajuda para subir naqueles carros altos enquanto usavam saias enormes e de vinte camadas de pano. Num calor de quarenta graus, no Rio de Janeiro. Nesse caso é algo besta e fora de contexto derivado de algo já besta e fora de contexto, a utilização de roupas européias aqui no Brasil.

Bom, é tudo um punhado de coisas que a gente faz pra se sentir bacana. Mas tudo é, por mais que você tente apresentar outros motivos.

*dizer em voz alta essa frase enquanto abre a porta para uma garota pode ser bem legal

sábado, 5 de janeiro de 2008

Gato Burro Abrasado

O guarda Borrabotas estava sendo baleado outra vez enquanto, a vinte quilômetros dali, José Pereira Silva dos Santos preparava uma mamadeira para seu filho, Saulo Silveira Silva dos Santos. E a vinte quilômetros de José Pereira Silva dos Santos o capitão dizia "Puta merda, o Borrabotas caiu de novo! Alguém traz um pano e limpa a farda dele antes que o sangue seque. Eu quero outro homem nela ainda hoje!".

Era uma refinaria de petróleo sendo assaltada. Os assaltantes entraram, renderam os trabalhadores, trancaram as portas e selaram com piche. E não conseguiram reabrir. Passaram uma semana sem maiores problemas, fazendo castelinhos de asfato e apostando corridas de betoneiras contra os reféns. Tinham parafina estocada para saraus à luz de velas e vaselina para o que acontecesse depois. Estava muito muito bom, tudo muito bem, mas logo eles encontraram um problema: petróleo não é exatamente recomendado para consumo humano direto. Então começaram a pedir pizza. Calcularam que teriam dinheiro suficiente para ficar um mês nessa situação mantendo todo mundo vivo à base de redondas. Calcularam errado, porque as pizzas tinham que ser arremessadas por cima do muro e nenhum deles era especialmente experiente em frisbee. Isso se traduziu em um aproveitamento alimetício baixo e, em seis dias, resolveram avisar a polícia do roubo para que pudessem negociar e fazer demandas. Estavam exigindo, majoritariamente, napolitana e peperoni.

Como ninguém podia entrar ou sair por causa do piche, o capitão não sabia o que fazer. E estaria perdido para sempre, não fosse o cavaleiro galopante que chegava à cena e se dirigia a ele:

-Céus, general, seu exército deveria trazer catapultas para invadir castelos.

-Homem-Táfora, graças a deus! Estávamos ficando desesperados. Já sabe da situação?

-Vejo formigas cobiçando um torrão de açúcar cercado por fogo.

-Hã... mais ou menos. O açúcar quer pizzas e não vai entregar os reféns, até por impossibilidade.

-Ora, general-formigão, o açúcar logo virará caramelo caso o senhor não desligue o fogão.

-Sim, mas ele não tem água, Homem-Táfora. E se nós usarmos a nossa, eles executam os reféns. E não queremos que os reféns virem caramelo.

-O caramelo irá começar se espalhar, apagando o fogo ao redor, fique tranqüilo.

-Quer dizer que eles vão sair quando ficarem desesperados? Tudo bem, mas sabe-se lá o que eles vão fazer com os reféns.

-Hum... é verdade que, quando o caramelo secasse, deixaria uma mancha bastante desagradável no fogão.

-Mancha? Os reféns mortos? Eu me perdi, Homem-Táfora.

-É claro que vocês seriam as formigas, então não ligariam para uma mancha no fogão. Vocês teriam que ser donas-de-casa.

-Hein?

-O que elas cobiçam que poderia estar cercado por fogo? Espera aí. Elas não temem fogo tanto assim. Poderiam usar extintores.

-Homem-Táfora?

-Vejo donas-de-casa cobiçando um pênis cercado pelo resto do homem, general. Não, espera... não está bem certo ainda.

-Porra, Homem-Táfora, você vai entrar ou não?

-Eu não entro, general dona Maria. Por isso minha montaria me deu esse nome ridículo.

-Sua montaria?

-O Potro Cadilho. Desnecessário dizer que ele mesmo se nomeou.

-Seu cavalo fala?

-Espera aí... Dá pra fazer funcionar...

-Seu cavalo fala e você perdeu pra ele uma discussão sobre o seu próprio nome? Quão idiota é você?

-Vejo formigas mesmo, general. E se não conseguem pegar o açúcar, tragam as abelhas, o mel delas lhes trará grande satisfação.

-Abelhas? Um helicóptero? Você acha que eu já não pensei nisso? O helicóptero está ocupado. E você não está sendo de muita ajuda, cacete.

Mas o Homem-Táfora já tinha pego o alto-falante e estava bradando a plenos pulmões:

-Açúcares, rendam-se ou serão picados por abelhas tão logo estiverem virando caramelo!

-Homem-Táfora, eles não entendem o que você diz. E sabe o porquê? Porque eles não são loucos! - insistia o capitão, já um tanto quanto revoltado.

-Certo. Não molhe o fogo, molhe o açúcar.

-Eu nem vou fingir que tenho idéia do que você está falando agora, já deu no saco.

-Jogue água no açúcar, capitão, e ele não virará caramelo. Mas ficará pegajoso o suficiente para grudar nos seus dedos.

-Dedos? Eu sou a porra de uma formiga, seu corno do caralho! Eu não tenho dedos!

-Não, general. Eles são as formigas. E lá dentro já conseguiram o açúcar. Você precisa de um tamanduá! Um tamanduá que cuspa muito!

-Alguém tire esse cara daqui!

E começaram a carregar Homem-Táfora para longe.

-Mas general, você já tem o tamanduá! Cuspindo pelo seu bico longo e fino! Está logo ali!

-Cala a boca ou eu mando te meterem uns pipocos.

Nunca souberam que ele se referia a um caminhão dos bombeiros. Nem que realmente daria certo distraí-los com pizzas e derrubá-los com jatos d'água. O que aconteceu foi que todos os reféns, assaltantes e policiais morreram, porque a refinaria foi invadida à base de bombas e acabou explodindo quando saiu um tiroteio perto dos tanques de gás. Dos relatados no incidente somente Homem-Táfora, Potro Cadilho e Borrabotas viveram para contar a história. Mas não contam.