sexta-feira, 19 de junho de 2009

Sim, Dedada Porque Um Senhorio Devasso Gozô Cem

Outro dia eu li um longo comentário choroso a respeito do vôo 447 da Air France no site de um comediante (B, diga-se de passagem). Tem algo errado nisso. Aliás tem algo duplamente errado. Em primeiro lugar, foda-se o vôo da Air France.

De um ponto de vista marxista, é bom que essa porcaria tenha caído. Só tinha ricaços a bordo daquele ônibus dos abonados, o que faz desse vôo uma vitória para a classe menos abonada.

De um ponto de vista progressista, nos demos bem. Tinha gente da família real naquele vôo, pelo amor de Deus. Quer coisa mais ultrapassada?

De um ponto de vista ambiental, é ótimo um avião a menos no mundo. Aviões são não só o meio de transporte menos eficiente em termos de consumo de combustível, mas também o mais eficaz em se tratando de poluição atmosférica, porque já jogam suas porcarias já nas mais altas camadas gasosas. É tipo o Sedex da Exxon Mobil entregando direto na casa do capeta. Eu não me lembro se o Capitão Planeta alguma vez salvou um avião no desenho, mas se salvou, eu vou parar de acreditar na integridade do azulão.

De um ponto de vista relativista, muito mais gente morre todos os dias em outras circunstâncias diversas e não têm essa atenção toda. Se você quiser mesmo desperdiçar sua empatia na morte de um monte de gente que você não conhece, então pra não ser hipócrita tem mais uns milhõezinhos igualmente importantes pra você. Mas você não se sente mal por eles, se sente? Seu merda.

De um ponto de vista malthusiano, é ótimo ter menos gente na Terra. Já estamos sofrendo com superpopulação e consumindo mais recursos do que seria sustentável. Vamos lá, vamos matar mais um bilhãozinho e aí o negócio começa a ficar bom.

De um ponto de vista humanitário, embora seja trágico ter perdido 228 vidas, é preciso se lembrar que, dessas, 61 eram francesas, então acaba compensando.

De um ponto de vista teocrático, Deus fez o homem pra ficar com os pés plantados no chão, e as aves pra voar. O homem tenta voar, Deus joga um raio nesses filhos da puta que não entendem as regras. Um raio, um efeito estufa, um buraquinho na camada de ozônio... aparentemente Deus é ambientalista.

De um ponto de vista waterworldiano, quando os oceanos engolirem a Terra, nós vamos ter mais um pedaços de metal boiando por aí para construir plataformas e barquinhos.

De um ponto de vista schopenháurico (é!), livramos uma porrada de pessoas de um ciclo infindável de sofrimento e ansiedade. Eu acho que isso engloba também Sartre, Pearce e mais uma porrada de pentelhos.

De um ponto de vista gravitacional, deu tudo certo, então taí um ponto pras leis de Newton. Imagina a merda que seria se o avião falhasse mas não caísse, ficasse parado no ar. O mundo ia virar de pernas pro ar, a lua se soltaria da Terra, a Terra do Sol, a vida como a conhecemos deixaria de existir!

Eu tenho outras trocentas razões, mas daqui em diante elas vão perdendo um pouco do poder argumentativo percebido, então eu vou deixar só essas aí, a título de amostra. Bom, então está bem estabelecido que o vôo da Air France que se foda, certo? Vamos passar à segunda parte do erro: um comediante (mesmo que muito, muito ruim) não deveria descer ao nível de escrever algo triste. Isso não serve só pra Air France, mas também pra qualquer escritor que troque a comédia pelo drama, qualquer ator que troque, digamos, Ace Ventura por 23 (ou ainda tente mesclar os gêneros, criando Cable Guy). Humor é moralmente superior ao drama.

Humor tem um efeito agradável no receptor. Isso já é um bom começo. Você se sente mal, geralmente, ao experimentar tristeza. E se sente bem quando experimenta humor. Sabendo disso, quem é o monstro que gostaria de espalhar tristeza mundo afora? Um filho da puta tipo o Walt Disney, que fez coisas como Bambi; milhares de autores, atores de diretores. É pura maldade. Tudo bem, a gente tem um mecanismo esquisito que nos faz achar bonitas as coisas tristes, mas é esse mesmo mecanismo que nos faz perseguir essa tristeza a fim de podermos ser “bonitos”, então acaba por ser perverso ao quadrado.

Então abaixo a seriedade e o drama. Se você quiser escrever algo indutor de transtorno psicológico, como Ensaio Sobre a Cegueira, Um Copo de Cólera, Angústia e similares, mande uma jurinha de morte. Algo do tipo “tá fodido, de amanhã não passa – vai morrer, filha da puta” parece bom. Ganha pontos extras se escrito em sangue ou com picotes de jornal. Mais rápido, simples e eficaz que um livro enorme e cheio de figuras estilísticas e de linguagem. Poupa tempo de todo mundo, poupa árvores e gera empregos na polícia.

Podem argumentar que é difícil transformar tudo em comédia. Mas não é. É muito fácil. Veja, por exemplo, como poderia ficar uma notícia simples de jornal. Ela originalmente seria “Mãe de Seis Crianças Mata Três de Seus Filhos para Alimentar Cachorro”. Triste. Depressivo. Vamos mudar. Que tal “Mãe de Seis Crianças Mata Três de Seus Filhos para Alimentar Cachorro! Hahahahaha!”? Muito melhor, não? Se quiser apimentar ainda mais, tente “...e Aí O Português Disse 'Mãe de Cinco Crianças Mata Três de Seus Filhos para Alimentar Cachorro!' Hahahahaha!”. Entendeu a piada? O português é uma besta, errou tudo. A mulher era mãe de seis, não de cinco. Hahaha. Foda... Enfim...

Pros que dizem que humor pode ser inadequado às vezes, como, digamos, num livro didático, técnico ou filosófico, eu declamo que não. Não tem nada que nenhum filósofo tenha dito, em lugar nenhum, que não possa ser encontrado numa piada. Piadas didáticas podem ser criadas, também, embora não pareçam ter muito potencial cômico.

Vamos lá, pessoal. Não custa nada recompensar alguém por perder tempo com suas asneiras idéias com uma piadinha aqui e outra acolá. O mundo seria um lugar muito diferente se O Capital fosse um livro engraçado - pensem nisso.

Ah, o comediante ao qual eu me referi algumas vezes é o Rafinha Bastos. O mundo não seria muito diferente se ele fosse engraçado, mas podem pensar nisso também se sobrar um tempinho.

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