domingo, 20 de abril de 2008

Apache Menos Peitudo

Um velho executava sua caminhada matinal quando foi detido pela visão de algum feno que reluzia de modo pouco comum à luz das primeiras horas de sol. Parecia ter sido colocado ali havia pouco tempo, pois não havia nele orvalho acumulado. Estava bem seco e pegaria fogo tão logo o homem com a tocha, que reluzia de modo bastante comum à luz das primeiras horas de sol, o acendesse a fim de queimar um menino cujas feridas não reluziam.

Ao redor dessa cena, havia uma multitude de pessoas se comportando de modo exatamente igual a uma multitude de pessoas raivosas de um filme dublado - volta e meia se ouve um "É!", seguido de um "queima ele", vindo da mesma ou de outra pessoa. O velho aproveitou e perguntou a respeito do porquê daquele acontecimento.

-Esse sem vergonha matou um pato a pauladas! Agora vai morrer na fumaça pra expiar os pecados frente a Satã em nome de Jesus!

-Era um pato grande?

-Não sei. Ô Wilma, o pato era grande?

-Ah... médio.

Indignado e não disposto a ver um menino morrer por causa de um pato de tamanho mediano, o velho resolveu meter o bedelho na parada:

-Senhoras e senhores, um momento da sua atenção, por favor.

-Quem é você e o que é que você quer, velho? - perguntou o homem da tocha.

-Meu nome é Tang Uwa e veio a meu conhecimento que vocês vão matar este menino porque ele matou um pato.

-É. Um pato. Um pato cheio de penas.

-E não são todos os patos cheios de penas?

-São. E todo pato cheio de penas tem direito à vida.

-Correto. Igualmente o menino não teria direito à vida?

-Não, ele matou um pato. Presta atenção.

Julgando sagazmente esse pequeno diálogo, o velho compreendeu que não seria fácil iluminar o coração dessas pessoas com argumentos lógicos e consistentes. Felizmente argumentos inconsistentes poderiam funcionar, e foi o que ele tentou.

-Certo. Mas o menino matou um pato. Isso não dá a ninguém o direito de matá-lo. A morte faz parte da natureza e não é possível removê-la de nossas vidas. O menino matou, e com todo o direito, porque ele pôde sobrepujar o pato em combate. Essa é a lei natural, a lei de deus. Se patos não morressem, o mundo seria apenas de patos, todo cagado e nojento. Então deveríamos dar graças aos céus por haver, como este menino, gente que mata indiscriminadamente, só por diversão e nos salva de um mundo cheio de patos, esquilos, ursos ou até Amílcares e Rogérios. Não, senhoras e senhores. vocês não têm o direito de matar esse menino, porque qualquer um tem o direito de matar quem quiser quando bem entender, grantindo assim um lugar para cada um no grande círculo da vida.

As pessoas tentaram refutar o argumento do velho. Mas cada vez que um deles falava e tentava fitar Tang Uwa, filho de Tang Li-Mao, era forçado a desviar o olhar. Alguma coisa tinha força ali, naquele lugar, compelindo as pessoas a aceitarem as palavras do velho. Era algo indizível, mas que eu ouso nomear. Era a força da Verdade, pura e imaculada, em seu estado bruto e inconveniente como num documentário sobre aquecimento global.

-Perdoe-nos, - começou a balbuciar o homem da tocha - vemos agora que estávamos errados e cegos por vingança. Matando o pato de estimação da minha filha e sendo responsável pelo suicídio dela, eu vejo que esse menino é uma dádiva. Diga mais algo sábio, mestre, por favor. Vamos aproveitar sua presença. Ilumine-nos.

Feliz por ter resgatado uma vida, o velho prosseguiu:

-Nesta estrada, não nos cabe conhecer ou ver o que virá. O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar.

Por algum tempo assim foi. Alguém pede por sabedoria, Tang Uwa passa. Repetir esse padrão foi deixando o povo feliz, e cada vez mais gente vinha ouvir o velho. Logo as máximas viraram prosa e um clima de sermão da montanha foi instaurado, todos sentindo a sabedoria e a iluminação, aprendendo sobre o Yin e o Yang, o equilíbrio do universo e os processos evolutivos que levaram as pessoas a terem cabelo nas axilas. Quando o sol começou a se pôr, o velho levantou-se e disse que iria embora. Passou a mão na cabeça do menino, sorriu e foi andando para sua cabana, além das montanhas.

-Sábio, como poderemos encontrá-lo? Não podemos ficar sem sua sabedoria!

-Eu moro logo ali, seguindo a estrada. E vocês todos são bem-vindos em minha casa.

-Nunca o esqueceremos, mestre. De hoje em diante sempre procuraremos a sabedoria do Sábio Chinês Tang em nome da harmonia e da prosperidade.

-Ah, mas eu não sou chinês. Sou da Mooca.

Então queimaram o moleque assassino e aquele velho farsante de merda.

Um comentário:

Unknown disse...

Viva a democracia!! Ela é poDerOooOoOoOooOOooOsa como eu!