sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Bávaro Escusado

Estava eu tranqüilamente (é, se quiserem derrubar o trema vão ter que passar por cima do meu cadáver, seus porcos) voltando do mercado onde comprei uma "especialidade láctea" "sabor cheddar" "barata" de gosto repugnante quando encontrei um rapaz muito interessante.

Correndo exasperadamente pela faixa de pedestres, cabo de vassoura em punho, uma ponta próxima ao olho e outra apontada em direção aos carros. Eu imaginei que se tratasse de um rifle, e imagino que ele estivesse pensando a mesma coisa. Jorrava alguma sabedoria ininteligível enquanto ajustava a mira.

Eu estava bastante contente por encontrar alguém simpático e curioso até ele inverter longitudinalmente a posição da arma e começar a brandí-la como um taco de beisebol. Eu imaginei que ele fosse louco, então, porque qualquer idiota sabe que é extremamente perigoso agitar dessa forma um rifle. Mas, pensando bem, eu nem sei se estava carregado - talvez ele estivesse só pregando uma peça em todo mundo. Super sapeca.

De qualquer forma, ele me lembrou de alguns amigos que eu tinha feito pela região e que não vejo há muito tempo. O Bob, por exemplo. Vive por aqui, cada hora num canto; costuma bradar a plenos pulmões que aquele que não sabe o nome dele merece morrer, que Minas Gerais tinha uma quantidade número X de alqueires (que costuma variar um bocado de semana a semana) e mais qualquer coisa que venha à mente dele.

Eu me lembro do Batman, que habitava um ponto de ônibus da região. Todo dia quando eu ia de ônibus para a faculdade era pego de surpresa por uma figura que saía das trevas, enrolada em uma capa escura, e repentinamente a abria em um gesto imponente. Acompanhando esse gesto vinha um aroma muito peculiar - o que acontecia era que ele gostava muito de comer arroz e era daquele tipo que apronta uma batelada para a semana toda. Muita gente faz isso, mas geralmente são pessoas que moram em casas e possuem refrigeradores, sem os quais elas não seriam muito diferentes do Batman. Eu tenho quase certeza, aliás, de que conhecia a identidade secreta dele. Um rapaz que passou pelo ponto e falou um pouco comigo sobre estar precisando de trabalho, não ter lugar pra morar, ser pintor de interiores... Em que momento os pais dele foram assassinados pelo Jack Nicholson eu não sei, mas algum tempo depois o cavaleiro das trevas estava espalhando seu arroz podre pelas calçadas de Gotham.

Outra figura curiosa que eu só vi uma vez na região foi um sociólogo italiano que quase foi atropelado por cinco veículos, o meu incluso, em um período de segundos. Logo após a subida de um morro íngreme, você era pego de surpresa pela presença do pesquisador, que por sua vez parecia estar sendo pego de surpresa pela presença de uma lata, e provavelmente tenha ficado ali se surpreendendo com ela por mais meia hora depois que eu fui embora. Eu e meu amigo pensamos se tratar de um bêbado, mas ele não estava a beber da lata, estava a estudá-la com bastante parcimônia. Daí concluímos ser um sociólogo italiano conduzindo um experimento e, não tendo encontrado nenhuma falha nesta teoria, aceitamo-la.

E tinha também o louco da direção. Gente boa, tinha o carro mais ecológico do mundo, composto por um volante, um painel e algumas alavancas. Costumava andar pelas ruas, parar aos semáforos vermelhos, dar seta, pedir passagem, pegar aquela estradinha gostosa no final de semana rumo a Bertioga. Certa feita parou atrás do carro da minha ilustre progenitora e, revoltado pela imobilidade constante do veículo que obstruía seu caminho, aplicou-lhe uma volantada no vidro. Em defesa de mamãe, ela não podia mexer o carro pois estava estacionada em local permitido. Foi quando comecei a achar que esse meu amigo não andava lá essas coisas. Recentemente até conheci outros conhecidos dele e até aprendi seu nome, mas infelizmente minha memória não é lá essas coisas.

Por outro lado, se já conheci algumas boas figuras, fiquei de conhecer outras tantas. O cara do carro amarelo, por exemplo, que ficava na Paulista com seu Farus e seu cachorro empalhado, eu nunca vi. E agora que meu veículo foi estraçalhado é bem pouco provável que eu vá sucedê-lo. Uma pena, porque meu nome seria bem aliterável, teria boa força de mercado. Eu me tornaria o "velho do veículo vinho".

Gosto dos meus amigos. Devia comandar uma grande reunião, mas não sei se daria certo. Quer dizer... eu sei que a maioria deles iria, desde que eu conseguisse uma salsicha e uma cordinha, mas não tenho a certeza de que eles se dariam bem. Pra começar, O Sociólogo Italiano já tem nome de vilão, eu vou ter o Batman, que provavelmente vai querer tirar um racha de Batmóvel com o louco da direção, quando vão atropelar o Bob. Uau. Só visualizo merda acontecendo. Acho que eu estava meio pinel ao pensar em juntá-los todos.

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