quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Doideira Num Velhote

“-Bom dia, doutor. Tudo bom com o senhor?

-Ah, tudo ótimo, tudo ótimo. E contigo, tudo bom?

-Naquelas, naquelas. O que é bom, porque se ficar bom demais, a gente relaxa.

-Grande verdade.

-E então, o que posso fazer pelo doutor hoje? Quer mais um saco de cinco quilos? O Rufus deve estar se empanturrando esses dias, hein?

-Pois é, rapaz, o Rufus morreu.

-Morreu?

-É.

-Coitado. Meus pêsames.

-É...

-...

-...

-E o que é que eu posso fazer pelo doutor?

-Ah, é verdade. Eu vim pedir o meu dinheiro de volta.

-Seu dinheiro de volta, doutor? Não entendi.

-Bom, eu comprei sua ração para o meu cachorro e ele morreu. Eu gostaria de ser reembolsado.

-Hã... isso é muito incomum, doutor.

-Eu não vejo nada de incomum. Meu cachorro comeu sua ração e morreu, então eu no mínimo gostaria do meu dinheiro de volta. Olhe aqui, eu trouxe o resto do pacote para o senhor.

-Deixe-me ver... parece estar dentro da validade. O cheiro está bom. Nada de errado.

-Claro que tem algo errado. Quer que eu traga o corpo do meu cachorro para provar?

-Doutor, do que o Rufus morreu?

-O veterinário disse que foi 'esmagamento craniano'. Provavelmente influenciado pelo caminhão que o atropelou.

-Ahã... ok... e desculpe incomodar, mas o doutor pode me dizer qual a relação desse evento com a ração?

-Não consigo imaginar nenhuma, na verdade.

-Então eu gostaria que o doutor me explicasse o porquê de eu dever retornar o dinheiro.

-Ora, não se faça de besta. É muito simples: por que eu compraria ração para o Rufus?

-Bom, os cachorros precisam comer.

-E por quê?

-Porque senão eles morrem, doutor.

-Isso. Eu comprei a ração para evitar que meu cachorro morresse. Não funcionou. Então eu exijo meu dinheiro de volta. E francamente, não esperava toda essa petulância por parte do senhor. Sou cliente antigo e achei que seria tratado com o mínimo de respeito.

-Certo, doutor, mas seu cachorro digeriu a comida, processou-a, fez uso dela.

-Quer que eu devolva as fezes dele também? Posso trazê-las, embora ache isso ultrajante.

-Não, meu doutor. Preste atenção, por favor: seu cachorro fez bom uso da ração. E continuaria vivo à base dela se não fosse pelo caminhão.

-Não venha querer se escorar em tecnicalidades. O senhor sabe muito bem que é sua responsabilidade moral devolver o dinheiro que eu gastei aqui em vão tentando manter meu cachorro vivo à base dos seus produtos chinfrins. E o senhor vai me devolver todo meu dinheiro ou eu vou meter processo atrás de processo nessa lojinha barata até deixá-lo sem nada, nem o que comer além desse resto de ração que estou devolvendo. E deixo-a para que o senhor a coma, seja atropelado por um caminhão e então entenda meu ponto de vista!

-Olhe, eu vou dar ao doutor o dinheiro, mas unicamente porque já estou no ponto em que ou pago ou estrangulo-o com suas próprias tripas, gritando o quão miserável e louco o senhor é.

-Pronto! Foi tão difícil? Pelo amor de deus!

-Tome esta merda de dinheiro e não dê mais as caras por aqui.

-O que é isto?

-É dinheiro, doutor. É dinheiro. Pegue e vá embora.

-Tem quarenta reais aqui.

-Qual o problema? Quer trocado? O valor exato? Não tenho, pode ficar com o troco, só vá embora.

-Meu senhor, o Rufus tinha treze anos.

-E daí?

-Treze anos sendo alimentado com ração daqui. Eu calculo que o senhor me deva cerca de seis mil reais. E isso porque sou bonzinho e não estou cobrando os juros...

E foi assim que eu vim parar aqui, meritíssimo.”

3 comentários:

Nalí disse...

hahuaauhauhahahah!!!

Nalí disse...

meus comentários super produtivos, aiai.

Anônimo disse...

muito bom! o ócio te cai bem.