terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sofisticar Veado

Vou-me ater aqui a fatos verídicos. Após uma viagem longa perto de um bebê chorão tentando estabelecer recordes em irritância e uma mãe aparentemente bastante competitiva, fui fazer minha baldeação.

-Oi. Eu fiz uma reserva com vocês pelo telefone. Mesmo assim preciso pegar senha?
-Sim, eu vou pedir pra você pegar uma senha, entra na fila.
-(Como assim? Eu perguntei só por desencargo de consciência, veja bem. Vocês têm certeza de que entendem o conceito de reserva? Eu falei com uma atendente que disse "eu vou fazer uma reserva para você". Agora você me diz que não faz diferença. Eu fico curioso pra saber o que foi que aconteceu. É a atendente tirando um barato da minha cara ou você que tem preguiça de checar uma lista com nomes? Talvez não saiba ler? Ou este é aquele tipo de reserva que existe na teoria mas não na prática, como as indígenas? De qualquer forma, você deve estar brincando se acha que eu vou pegar fila pra pegar um papelzinho quando meu lugar já está garantido há mais de vinte dias. E se eu não tivesse perguntado, pensando - muito acertadamente, veja bem - que eu não preciso fazer outra reserva, por senha, se já tenho uma bem estabelecida e, infelizmente, apenas uma bunda para ocupar lugar no ônibus.) Tá.

Peguei a fila. Peguei a senha. Encontrei-me em outra fila.

-Por que fila se eles deram senha?
-Pra guardar bagagem.
-(E se eu tiver a senha mas não estiver bem posicionado na fila, então, eu vou, mas minha bagagem fica? Não faz sentido ter fila, sério.) Ah, ali embaixo, né?
-É. A senha é o passe, mas ainda assim tem fila, porque nós estamos no país...
-("No país..."? Que foi? Ia fazer alguma crítica social lugar-comum e não soube o que falar? Eu sinceramente não entendo. Seria "no país das filas"? Não teria um porquê para não dizer, então. "No país dos negros"? "No país que elege mulher pra fazer serviço de homem"? "No país mais cheio de viados que eu já vi"? Aí eu entendo você não ter dito até o fim a frase, mas não faz o menor sentido no contexto da conversa. Estávamos falando de bagagem. Sabe qual é este país? É o país de gente que começa uma frase sem motivo, quando a conversa já estava até encerrada, só pra falar alguma merda, e aí ainda desiste na metade do caminho. Sinceramente, se não fosse gente como eu, a pensar mordazmente, antes de replicar "hum", coisas como estas sobre gente como você, este país estaria muito mais...) Hum...

Seguiu-se um evento estarrecedor. Uma mulher bateu com seu carrinho de malas em meu calcanhar não uma, não duas, não três, não quatro, mas cinco vezes seguidas. Espera aí. Na realidade, eu quis dizer "sim, uma, sim, duas, sim, três... totalizando cinco". Quando se fala "não uma, não duas, mas três", diz-se apenas que houve um único incidente e que o orador não entende muito bem de ordem numérica elementar. Mas eu estou digressando. Eu dizia que foram cinco as pancadas, e com a força e insistência desconcertantes de quem tenta vencer um pedregulho no asfanto. E não, não era a mãe daquela criança que eu esquartejei no vôo, então não tinha nenhuma rixa pessoal envolvida. Da primeira vez eu não disse nada, da segunda recebi um "desculpe, eu não vi" pelo meu protesto, depois um "desculpa" e daí pra frente, só mais atropelamentos em resposta. Eu só costumo tolerar isso de pessoas portando bengalinhas engraçadas e óculos escuros ou de personalidades, como o Rubinho Barrichelo, mas imaginei que comprar gaze e esparadrapo sair-me-ia mais barato que arriscar outro round de conversação deprimente.

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