quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Democracia Nos Ri

Morreu mais um desses atores famosos, porém nem tanto, de Holywood. Ao final da gravação de um filme, junto com uma atriz coadjuvante de menor expressão, num pequeno incêndio que se deu no set. Foi algo horrível, sem dúvida nenhuma, completamente desnecessário e um desperdício tremendo de recursos o tanto de homenagens póstumas, vídeos no Youtube, choradeiras, especiais do Fantástico etc.

O maior frufru de todos, contudo, viria na cerimônia do Oscar, na forma de um pequeno vídeo. Algumas de suas falas retiradas do contexto para parecerem mais marcantes. Falas retiradas dos filmes dos quais participara, tiradas das bocas de seus pares românticos, Betty, Sharon, Mimi e Porky, dizendo, respectivamente, quão inesquecível ele era, quão amado sempre seria, como seus olhos castanhos expressavam a verdade e como sua jeba era enlouquecedora (essa foi lá do comecinho da carreira). Seguiram-se aplausos e mais aplausos. O encarregado de dizer algumas bondosas palavras, o diretor do filme no qual durante a rodagem o defunto passou a poder ser assim denominado, o fez graciosamente, em nenhum momento deixando de pensar no quanto a perda de tão jovem vida significava para ele - milhões e milhões de dólares a mais em ingressos.

Seguiu-se uma homenagem semelhante à atriz em decomposição. Algumas de suas falas retiradas do contexto para parecerem mais marcantes. Falas de Betty, Sharon, Mimi e Porky, dizendo, inclusive, como sua jeba era enlouquecedora. Perturbadoramente semelhante, a homenagem. Só tiveram o trabalho de mudar as cenas em que ele aparecia por algumas dela. Isso deixou metade do povo - a metade que não estava a pensar "ei, eu já vi isso antes em algum lugar..." - um tanto quanto transtornado, murmurando "que bissurdo".

Um ou outro de maior poder abstrativo, infelizmente ausentes, poderiam ter imaginado que não haveria motivo algum para revolta. Em primeiro lugar, a morta não estaria a se importar com suas homenagens póstumas, de qualquer forma, haja ou não vida post mortem. Se não há, ela não estaria nem poderia estar indignada e caso encerrado. Se há, pressupõe-se que os defuntos tenham mais o que fazer além de ficar acompanhando o que está ou não sendo dito a respeito de suas ex-vidas. Pelo menos de acordo com o que é dito por aí pelas religiões. Caso não haja nenhuma atividade mais interessante, é bem provável que a morte seja um passaporte para o tédio completo e o que se diz ou não a respeito de um morto seja de menor importância frente à semiexistência vazia que ele vai ser obrigado a suportar. A segunda.

Além de pessoas ficarem indignadas por um teórico desrespeito pelo qual o maior interessado, o desrespeitado, está pouco se fodendo, o outro elemento curioso do evento era a percepção desse desrespeito. É bem verdade que o trabalho cheirava a preguiça ou correria, mas até aí não havia problema nenhum. Se não houvesse homenagem, estariam todos indiferentes. Como houve uma não exatamente boa, houve revolta. Se houvesse uma boa, ficariam emocionados e satisfeitos. Colocando isso em um gráfico, então, a parábola resultante sugeriria que pouco esforço despejado em honrarias é pior que nenhum esforço e nenhuma lembrança, o que é um tanto quanto esquisito.

Talvez fosse o tom de impessoalidade dado à coisa. Não, isso também não poderia ser. Afinal o primeiro vídeo, ao ator, havia sido feito por profissionais que estavam recebendo por um serviço de edição como outro qualquer, por gente que sequer o conheceu em vida. E o resultado havia sido igual aos outros trezentos vídeos homenageadores exibidos nessas cerimônias. A mesma fórmula, só com uma ou outra cena modificadas para que se pudesse identificar de quem diabos estavam falando. Como algo nesses moldes pode ser percebido como mais pessoal ou sincero que algo rascunhado às pressas preguiçosamente? É um mistério.

E enquanto eu me alongava com essas masturbações filosóficas, já tinha sido gerada uma certa comoção na cerimônia. Essa comoção só se acalmou com um breve discurso do já mencionado diretor, que ocupava o palco: "Senhoras e senhores, nós fomos pegos de surpresa pela morte dessa jovem. É sempre surpreendente quando uma vida termina, e duplamente quando é uma vida de alguém tão nova, tão... bom... cheia de vida. Olha, o que eu estou querendo dizer é que ninguém esperava que ela também fosse morrer no incêndio e nós tivemos muito pouco tempo para a preparação de um vídeo para a cerimônia, então infelizmente foi o melhor que pudemos fazer. Se não foi suficiente é porque a dor em nossos corações ainda é grande demais. Mas, de qualquer forma, eu não me importo com essa pífica homenagem. Eu sei que a verdadeira homenagem, o que verdadeiramente irá ficar e que a deixaria muito feliz, está no filme que ela ajudou a contruir. E eu espero que todos vocês possam vê-lo em breve." Seguiram-se muitos aplausos e algumas lágrimas.

Um comentário:

Bakunin, o mochileiro comilão de Browniânia disse...

Você tem piorado sua qualidade de escrita. Acho que está em processo avançado de definhamento total.